FABIO GÓES – O DESTINO VESTIDO DE NOIVA (2011)

    Desde o lançamento de Sol no Escuro, em 2007, que aguardo ansiosamente o novo trabalho de Fabio Góes. Afinal, o disco de estreia deste talentoso músico, compositor e produtor paulistano rendeu um dos melhores registros da música brasileira nos últimos anos. Faixas como “Mundo Acumulado”, “Surfista” ou “Lembranças”, por exemplo, são canções que tem prazo de validade de uma vida inteira. Passados 4 anos – e agora com família e um filho nas costas – Góes finalmente nos brinda com O Destino Vestido de Noiva, seu segundo rebento discográfico que, segundo o próprio, é “bastante menos introspectivo, menos melancólico, menos lento e menos hermético” que o play anterior. Será mesmo?

    Não por acaso, essa renovada estética sonora torna-se perceptível já na faixa de abertura “Tão Alto e Fora do Lugar”, dando a deixa de uma pegada pop de calibre poderoso: “Quis reparar, mas acho que eu só soterrei o que não sorria mais / Vim te contar, mas por um suspiro eu fiquei e nada em mim mexia mais…” diz a letra, que escancara a estilosa veia poética de Góes. Dentro da proposta de soar mais alegre aos ouvidos alheios, “A Rua” segue a trilha de uma bela melodia, numa levada samba-rock com direito a coral ao fundo e uma cama sonora onde órgão, cavaco, guitarra e violão se incorporam à bateria eletrônica pilotada pelo amigo Curumim, que também canta alguns versos.

    Mais experiente e com o faro apurado, Góes utiliza de todos os seus artifícios de multiinstrumentista tocando piano, órgão, sintetizador, guitarra, baixo, violão, cavaco, batera, percussão e o que mais lhe der na veneta, e ainda manda ver nas programações, criando texturas e camadas eletrônicas envolventes. Em temas como “Domingo e as Plantas” e “E o Amor que não Cabe Mais” ele toca todos os instrumentos sozinho; já em faixas como “Nossa Casa”, “Incenso” e “A Escolha”, recorre ao auxílio luxuoso do guitarrista Luiz “LQ” Mattos (que também assina a co-produção do álbum). Ainda rolam colaborações de Dudinha Lima (baixo), Ed Côrtes (clarinete) e Alexandre Grooves (percussão), entre outros.

    Utilizando-se de mais guitarras e baterias programadas do que no álbum anterior, Góes mantém as texturas e malhas sônicas em plena atividade como mostra a faixa “Fugindo”, onde violões, sintetizadores e clarinete dividem os arranjos de forma irrepreensível. Aqui, nova participação especial do baterista Curumim e também do produtor, compositor e músico carioca Alexandre Kassin no baixo.

    Na seqüência temos a leveza da balada “Frágil”, de beleza melódica e versos românticos (“Longe de mim, ser frágil assim / Só penso em correr, fugir / Ou de descansar no fim / O som do seu beijo / Eu vou me refazer com os pés descalços / Sabendo que do chão eu nunca passo / E nada passará…”). “Na pele” é outra pérola musical, com instrumental bacanérrimo e clara referência ao Clube da Esquina (“De arrepiar / Dessa vez eu vou estar na pele / De um cavaleiro dessa esquina”), forte influência na trajetória de Góes. Tem ainda a onírica “Sonho”, só com vocal e piano, em momento Arnaldo Baptista total.

    O final apoteótico está na vibrante “Amor na Lanterna”, com participações de Kassin (baixo e guitarra), Curumin (batera) e a bela voz da cantora Luísa Maita, que acompanha a de Góes em versos de extrema sensibilidade que decretam que “Sentado aos 33 / Eu não enxergo a previsão / Mas toco o plano em frente / Pro meu destino eu estendo a mão…” Pegando carona na letra alto astral, digo só uma coisa: eu não era de me emocionar tanto, mas depois dessa música eu sinto menos chão… que bela canção!

    Se for levar em conta que o segundo disco é sempre um grande desafio para os artistas – ainda mais quando a estreia tem o espectro do climático, melancólico e sensacional Sol no Escuro – posso dizer que no caso de Fabio Góes, ele tirou essa de letra, vencendo a peleja com sobras. E se as influências e associações sônicas vão de Clube da Esquina a Guilherme Arantes, de Coldplay a Radiohead, de TV on the Radio a Grizzly Bear, o fato é que cada vez mais Fabio Góes expõe a sua identidade musical autônoma, de brilho próprio. Uma verve artística que é sinônimo de música bem feita e de bom gosto.

Faixas: 01. Tão Alto e Fora do Lugar / 02. Domingo e as Plantas / 03. Nossa Casa / 04. A Rua / 05. Fugindo / 06. Frágil / 07. Incenso / 08. A Escolha / 09. E o Amor que Não Cabe Mais / 10. Na Pele / 11. Sonho / 12. Amor na Lanterna

* Resenha publicada originalmente em http://fabiogoes.com/pt/

FABIO GÓES – TÃO ALTO E FORA DO LUGAR

FABIO GÓES – TÃO ALTO E FORA DO LUGAR (2011)

FABIO GÓES – DOMINGO E AS PLANTAS

FABIO GÓES – NOSSA CASA

FABIO GÓES – NOSSA CASA (2011)

FABIO GÓES – A RUA

FABIO GÓES – A RUA (2011)

FABIO GÓES – FUGINDO

FABIO GÓES – FUGINDO (2011)

FABIO GÓES – FRÁGIL

FABIO GÓES – FRÁGIL (2011)

FABIO GÓES – INCENSO

FABIO GÓES – A ESCOLHA

FABIO GÓES – E O AMOR QUE NÃO CABE MAIS

FABIO GÓES – NA PELE

FABIO GÓES – SONHO

FABIO GÓES – AMOR NA LANTERNA

FABIO GÓES – SOL NO ESCURO (2007)

    De uma nova safra de jovens músicos que aliam a sonoridade e a sofisticação da MPB ao experimentalismo e a modernidade da música eletrônica, Fabio Góes desponta no horizonte como uma das gratas revelações na música brasileira em 2007, se é que pode ser assim considerado…

    Veterano na cena independente paulistana, foi integrante da banda de rock Paumandado (com único disco homônimo lançado em 2003) e na última década atuou como produtor musical em trilhas cinematográficas como “Cidade de Deus” (2001) de Walter Salles e “Abril Despedaçado” (2002) de Fernando Meirelles e Kátia Lund, entre outras. Cantor, multiinstrumentista e compositor, passou os últimos cinco anos maquinando sua estréia solo, lapidando letras e desenvolvendo arranjos, num trabalho detalhado, intimista e que veio amadurecendo desde 2001… O resultado é o melhor disco de MPB que escutei este ano.

    Sol no Escuro é de uma inspiração poética e melódica de assombrar. Faixas repletas de climatizações e ricas camadas sonoras, cadenciadas por diálogos entre piano e violão, encorporados por instrumentos como viola, violinos, violoncelo, bateria, guitarra, baixo, metais e percussão. Um caldo sonoro onde a MPB, o rock e a psicodelia estão presentes, bem como o jazz, o folk e o soul. Levadas pra lá de introspectivas e melancólicas; arranjos delicados, embalados pela voz  tranqüila de Góes que nos remete ao pessoal do Clube da Esquina ou a uma sonoridade que lembra o Guilherme Arantes dos anos 70.  

    Letras que descrevem uma angústia latente como na faixa-título (“Eu ouso apagar o sol / colocá-lo num escuro tão profundo / que até o colorido mais raro / se despede de mim como um raio / e eu querendo azul”) ou em “Automático” (“Se nesse mundo, nessa sala, nessa rua, nessa casa / alguém precisa de mim / eu sempre acho que não”). Trupes reflexivas como na balada soturna “Sem Mentira” (“Eu já fingi ser muito melhor / eu já aprendi ser pior / mas sem mentira”) ou na funkeada “Mundo Acumulado” (“Tendo tudo planejado / dando tudo meio errado / bebendo o que sobra de alegria na noite / depois de outro dia / a fase ruim passa / a fase boa passa também / só sobra quem é quem / ninguém, ninguém é de ninguém”), uma das minhas preferidas!

    “Estatística” é malemolência pura, com arranjos de cordas irradiantes e belo solo de sax numa pegada eletrônica vigorosa. Tem participação da cantora paulista Céu – legítima representante dessa leva de novos nomes da MPB – que nos brinda com sua doce voz no jazzinho “Sun of your eyes”. Acordes em tom menor prosseguem com a balada de violão “Mel” onde o clima acústico predomina. Belas composições não faltam como na metáfora do dia a dia, sugerida na bela “Surfista” (“nasci pra ser surfista / do que eu quiser / do que eu puder / do que eu tiver porque”)  ou na intimista “Lembranças” (“agora eu vou me esquecer mais / agora eu vou me confundir mais / agora eu vou me cuidar mais / quem sabe o tal dia ainda vem”) que chega mesmo a emocionar.

    O climão melancólico só desaparece na última faixa com a bem humorada “Salmão” (“meu salmãozão / gosto de carne crua, só quando a carne é sua / meu sashimi, sashimizão”). Pronto, faltava quebrar o gelo, abrir a janela e respirar o ar puro de um novo dia… Deixa eu me espreguiçar que, como diz a letra de “Sereno” (“Chora e a noite abrirá um escuro imenso / pro sol entrar e nascer / pro dia chegar e atravessar ileso até o luar / o choro da noite é só sereno”), vai começar tudo de novo…

Faixas: 01. Sol no Escuro / 02. Sem Mentira / 03. Automático / 04. Mundo Acumulado / 05. Estatística / 06. Sereno / 07. Sun of Your Eyes / 08. Mel / 09. Surfista / 10. Lembranças / 11. Salmão

FABIO GÓES – SOL NO ESCURO

FABIO GÓES – SOL NO ESCURO (2011)

FABIO GÓES – SEM MENTIRA

FABIO GÓES – SEM MENTIRA (2011)

FABIO GÓES – AUTOMÁTICO

FABIO GÓES – MUNDO ACUMULADO

FABIO GÓES – ESTATÍSTICA

FABIO GÓES – SERENO

FABIO GÓES – SUN OF YOUR EYES

FABIO GÓES – MEL

FABIO GÓES – SURFISTA

FABIO GÓES – SURFISTA (2011)

FABIO GÓES – LEMBRANÇAS

FABIO GÓES – SALMÃO

FABIO GÓES – SESC 2007 (PROMO)